Só em 2015, foram emitidos mais de 111 mil vales para
operações no setor privado ou social, com um custo de 36 milhões de euros
Entre 2013 e 2015 os hospitais públicos gastaram cerca de
cem milhões de euros em operações feitas fora do Serviço Nacional de Saúde
(SNS), no setor privado ou social, através de vales-cirurgia, emitidos ao final
de seis meses de o doente estar à espera. Só em 2015 foram emitidos mais de 111
mil vales que levaram à realização de 20 282 operações, com um custo de 36
milhões de euros. O ano terminou com perto de 194 mil utentes na lista de
inscritos para cirurgia - mais dez mil do que 2014 - e 5972 doentes pendentes.
Os dados provisórios do Ministério da Saúde foram
enviados ao Bloco de Esquerda numa resposta sobre o Sistema Integrado de Gestão
de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) nos últimos três anos e a que o DN teve
acesso. Uns hospitais descem, outros sobem, mas no total a fatura e o número de
operações feitas fora do SNS aumentou . "Acreditamos que se pode
estabelecer uma relação com a saída dos profissionais mais diferenciados e a
redução de serviços. Podem estar a deixar o SNS com menos capacidade e a enviar
mais doentes para o privado. Não compreendemos que aconteça, porque o SNS tem
capacidade instalada e é preciso aproveitá-la. É incompreensível que hospitais
de fim de linha enviem imensos doentes para o privado", diz Moisés Ferreira,
deputado do BE.
O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) é o
que tem a fatura mais elevada e 2560 cirurgias realizadas fora. No final do ano
tinham 14 mil inscritos na lista e 237 doentes pendentes. "Apenas 25% dos
doentes aceitaram ser operados fora do CHUC. O valor faturado foi de 4,6
milhões de euros. O CHUC é dos hospitais com maior produção cirúrgica. Em 2015
foram feitas 65 735 cirurgias. Temos vindo a "aumentar a capacidade
interna e a reduzir a emissão de vales-cirurgia", refere. Quanto aos
doentes pendentes, "são propostas cirúrgicas que estão em fase de
avaliação clínica e/ou a aguardar exames e esclarecimentos adicionais",
número que não consideram elevado dada a procura.
Em 2015 foram operadas noutros hospitais 3118 pessoas
encaminhadas pelo Centro Hospitalar do Algarve, com uma faturação de 3,5
milhões e mais de oito mil vales emitidos. A nova administração não confirma os
dados indicados, mas segundo os provisórios de que dispõem "foram operados
cerca de 11 990 episódios cirúrgicos na lista de inscritos, dos quais 2790
foram realizados em hospitais de destino convencionados". Acrescentam que
estão a trabalhar com o ministério e Administração Regional de Saúde para
aumentar a capacidade através do reforço de recursos humanos e da produção
adicional.
Combate à espera em ortopedia
O Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) reduziu as
operações feitas com vale, mas ainda assim foram 862 no ano passado.
"Apenas 3,1% dos doentes inscritos são operados fora do CHLN. A resolução
interna da lista de inscritos melhorou francamente em 2015 e continua a
melhorar", refere o presidente Carlos Martins, adiantando que até abril
foram operados fora 275 doentes.
Um número que não é elevado, aponta, comparando com
outros hospitais e que está relacionado com algumas doenças mais frequentes e
especialidades que têm de dar resposta a situações muito complexas. "A
política de rejuvenescimento, a partir de 2014, permitiu melhor resposta da
instituição. Existe carência de profissionais, por exemplo anestesistas, mas os
profissionais do CHLN, têm tido uma elevada responsabilidade e dedicação à
causa pública."
O Centro Hospitalar do Porto destaca-se pela subida de
operações feitas fora (passou de 61 cirurgias em 2014 para 570 no ano passado).
"Tínhamos 2500 pessoas em lista de espera para ortopedia. Tentámos limpar
a lista. As cirurgias menos diferenciadas foram enviadas para outras unidades e
algumas, possíveis de fazer no nosso hospital com médicos de outras
especialidades, foram realizadas. Os doentes operados por ortopedia têm uma
idade mais avançada, precisam de mais tempo de internamento e estamos a
trabalhar para aumentar o número de camas", explica o presidente, Sollari
Allegro.
Alto Minho com mais pendentes
Não são só as operações feitas fora do SNS que Moisés Ferreira
destaca. "Vemos na lista centros com um número inexplicável de doentes
pendentes. No caso da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM) são 1103. É
difícil acreditar que todos tenham pedido para ficar pendentes. Não gastou nada
em cheques-cirurgia em 2015, embora tenha emitido 228 e tenha em lista de
espera 5705 pessoas. O número elevado de pendentes [cerca de 6000 entre todas
as unidades] faz pensar que pode haver doentes a quem o acesso a uma cirurgia
esteja a ser vedado por razões orçamentais", aponta, salientando que mais
perguntas seguirão para o Ministério da Saúde.
A ULSAM esclarece que registam "874 doentes em
situação de pendência. As situações incluem alterações da condição clínica do
doente e motivos pessoais plausíveis. Face à última avaliação da tutela
registamos uma redução de pendentes. Não foram emitidos vales-cirurgia em
virtude de vermos cumpridos os tempos máximos de resposta garantidos".
Adiantam ainda que a Premiership está a realizar planos cirúrgicos
extraordinários para responder atempadamente aos doentes inscritos na lista,
nomeadamente em oftalmologia e ortopedia.
O hospital de Braga, uma parceria público-privada, também
aumentou as operações feitas noutros hospitais. Com 8597 inscritos na lista,
tem 318 pendentes. "As situações pendentes representam menos de quatro
dias de cirurgias no hospital de Braga. Deve-se a diversos motivos, desde a
aprovação interna do ato cirúrgico, passando por indisponibilidade do doente ou
por motivos de indicação clínica desfavorável à cirurgia aquando da sua
marcação", diz a unidade. No ano passado realizaram 27 400 cirurgias. Referem
que aumentaram a produção e que os casos são cada vez mais complexos. E que
estão disponíveis para aumentar a contratualização com o Estado.
O ministério publicou uma circular que antecipa de quatro para três meses a data a partir da qual os hospitais podem emitir uma nota de transferência de um doente em lista de espera para cirurgia para outro hospital do SNS. Na nota, o ministério explica que com a transferência dentro do SNS pretende melhorar os tempos de resposta e aumentar a capacidade do serviço público. O vale-cirurgia continua a ser emitido ao final de seis meses para unidades protocoladas.